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July 18, 2024

A NYFW macetou marcas pequenas e independentes

A NYFW macetou marcas pequenas e independentes

A edição de inverno 2024 da NYFW deixou a desejar e escancarou a realidade sofrida dos criadores de marcas pequenas e independentes. Aqui, falamos de três deles.

Teve macetada no apocalipse, Xeque Mate, calor, chuva, suor e cerveja. Mas o Carnaval não tem nada a ver com a sensação de que a NYFW passou sem deixar lembranças. Foi fraca mesmo.

A falta de brilho na edição de inverno 2024 é reflexo das atuais condições do mercado: tudo igual, pasteurizado, sem muito sentido, esvaziado. Os boletos não param de chegar – esse, sim, é um clássico atemporal. Para resumir: não está fácil para ninguém, mas está pior para alguns.

Marcas pequenas e independentes, o grupo de acesso da NYFW, sobrevivem a duras penas desde antes da pandemia. Tava ruim, parecia que ia melhorar, agora piorou. Rola um descompasso cruel entre o que se cobra de tais criadores e a real capacidade de seus negócios.

Faz tempo que grandes nomes da moda estadunidense debandaram para fashion week, desistiram de desfilar ou encerram as atividades. O que não é só má notícia.

Com a saída e enfraquecimento de instituições como Calvin Klein, Ralph Lauren e Donna Karan, abriu-se espaço para uma nova geração. O vazio foi ocupado por Proenza Schouler, Altuzarra, Jason Wu, Prabal Gurung e, mais tarde, Hood By Air, Telfar, Colina Strada, Eckhaus Latta, Pyer Moss, entre outros.

Acontece que não tem sorte de iniciante certa. Muitos dos nomes acima não fazem mais parte da programação da NYFW. Uns optaram por formas mais baratas de apresentação, outros desencarnaram de desfilar e alguns fecharam a lojinha por força maior. 

Os motivos são vários, embora comuns. A confecção de roupas nos EUA é cara, beira os mil dólares. Importar nem sempre é uma possibilidade: o baixo volume de produção não é suficiente para negociar bons preços, o controle de qualidade fica complicado, além dos perrengues burocráticos, logísticos e fiscais.

Colocar um desfile de pé pode custar entre 50 e 500 mil dólares – vezes dois, são duas temporadas no ano. Na soma, entram ainda campanhas, eventos, folha de pagamento e o custo de vida elevado de morar e trabalhar em Nova York. 

Prêmios como do Council of Fashion Designers of America (CFDA) ajudam, porém pontualmente. Financiamento a longo prazo ninguém está disposto a conceder. Empréstimos, só com reza brava ou aquele contatinho precioso.

Muita paixão e autoconfiança indestrutível. Para Willy Chavarria, só assim para aguentar

“É traiçoeiro fazer parte do sistema, sustentar uma marca e construir um negócio que dê dinheiro suficiente para alimentar a mim e à minha equipe”, afirmou o estilista Willy Chavarria ao The New York Times. É tanta insanidade, diz ele, que não são raros os momentos em que pensa desistir.

Para o inverno 2024, ele misturou elementos dos anos 1980 (a referência é Claude Montana) com tecidos e padronagens tradicionalmente britânicas (tweed e xadrez), imagens da década de 1930 da alfaiataria mexicana com estilo western.

As proporções e formas over oversized de coleções anteriores, são controladas para revelar detalhes de construção e acabamento valiosos para se destacar. Os blazers têm ombros firmes e caimento suave, delicadamente acinturado. As calças estão mais respeitosas com a silhueta natural do corpo: fluidas nas pernas e ajustadas com pregas na cintura. 

O motivo da mudança no shape? Tem muita gente fazendo igual, disse ao NYT. Na reportagem, Willy fala que só continua na atividade por paixão e uma autoconfiança indestrutível. No entanto, vale acrescentar uma boa dose de knowhow e sensibilidade para perceber as nuances do mercado.

É comum entender seus desfiles como protestos. A marca nasceu em 2015, no mesmo período em que uma série de movimentos sociais passaram a exigir mudanças estruturais em diversas indústrias. Mas não é bem por aí. 

Com experiências na Ralph Lauren, American Eagle e, desde 2021, na vice-presidência de design da Calvin Klein, ele conhece o funcionamento da coisa. Sabe como as reivindicações e protestos são assimilados alegoricamente para acalmar ânimos e evitar transformações.

Rende milhares de curtidas, engaja um monte, não muda nada. O que muita empresa de moda faz simbolicamente com gestos pontuais, ele faz de verdade. E sem precisar se adequar às boas práticas recém-atualizadas por qualquer rede social. A vida é off-line.

É que Willy cansou de esperar. Se é que esperou – ele é mais esperto do que isso. Ele decidiu fazer. Suas apresentações são retratos do que está concluído, de partes de um mundo diferente em construção. O que já existe deu ruim. Joga fora.

O puro suco da Eckhaus Latta

Há 13 anos no mercado, os estilistas Mike Eckhaus e Zoe Latta ainda buscam afinar as operações da Eckhaus Latta. Nesta temporada, a coleção apresentada na NYFW foi vendida para multimarcas semanas atrás. 

Normalmente, as compras de atacado só acontecem depois do desfile. A inversão é mais uma tentativa de otimizar os custos e prazos de criação, produção, venda e entrega.

As roupas do inverno 2024 da Eckhaus Latta são versões destiladas e melhoradas do que a marca faz melhor: o patchwork de tricô, jeans nada básicos, recortes esculturais, experimentos com materiais inusitados (a jaqueta da foto acima é de feltro laminado) e um tipo de sensualidade só deles. 

É uma seleção de produtos sob a mesma lógica de otimização dos processos internos da empresa. Ao se desfazer de qualquer excesso ou distração, a dupla se mostra mais preocupada com quem compra do que com quem curte. Realidade que chama.

O último desfile da Puppets and Puppets

O desfile de inverno 2024 da Puppets and Puppets foi o último da marca. É isso aí, cabô caqui tu vai embora. No caso, ela vai embora. Ela é a estilista Carly Mark, que vai para Londres, onde dará continuidade ao negócio, porém focado em acessórios – roupas, agora não.

Carly afirmou que os custos e esforços são além do que ela e a empresa podem suportar. Lançada em 2018, a grife se tornou a queridinha da NYFW logo na sua estreia. Nas redes sociais, acumulou alguns milhares de fãs. No entanto, quando os bolsos apertaram, o buzz deixou de reverter em vendas e a água bateu na bunca.

A solução foi intensificar a atuação no mercado de atacado (as multimarcas). Mas não decolou. As negativas eram sempre baseadas na baixa qualidade dos produtos. O crescimento do hype em torno da Puppets and Puppets não acompanhou (ou ignorou) sua evolução técnica.

Quando o discurso, o formato, a imagem e a narrativa importam mais do que o conteúdo, do que a roupa, dá nisso. Cria-se uma fantasia, uma bolha que, cedo ou tarde, estoura.

E fora dos stories, você está como? E dentro deles, está ajudando ou atrapalhando?

O que acontece fora dos stories ninguém quer saber – consumidores, admiradores, influenciadores e até parte da imprensa. Desde que engaje, acerte no discurso empático do momento, divirta, vire meme, viralize, está tudo certo. É aquela história: o que os olhos não vêem (e as telas não mostram), o coração não sente.

A comunicação positiva a qualquer custo não é danosa apenas ao negócio. É pior ainda para o ser humano postado como a solução de todos os problemas, o certo entre tantos errados, o salvador dos pequenos produtores e das indústrias locais. 

A tendência puramente elogiosa, que se tornou regra entre comentaristas das mídias sociais, é tão nociva quanto – senão mais – uma crítica negativa. Os efeitos da vista grossa e dos panos passados para possíveis e eventuais falhas de um criador são similares ao da criança que cresceu só ouvindo sim e nenhum não.